Realizou-se, no passado dia 8 de Junho, o 9.º Festival de Ginástica do Centro de Formação Desportivo da Escola Secundária de Alberto Sampaio, uma escola pública em Braga.
O espectáculo, que incluía a participação de crianças a partir dos 3 anos até atletas em idade adulta, dedicou-se tematicamente à história dos Jogos Olímpicos (JO).
Em contexto de pleno genocídio na Palestina, à data já com 8 meses contados e quase 40 000 pessoas mortas, e em que eram noticiados diariamente novos crimes contra a humanidade cometidos pelo Estado de Israel; falou-se do ocorrido nos jogos de 1972 como um ataque de “terroristas palestinianos”, que “raptaram e assassinaram” os atletas israelitas.
A isso seguiu-se uma representação, feita por crianças, onde pessoas armadas levavam os atletas e os assassinavam, sendo finalmente confrontados por forças policiais, que disparavam sobre os “terroristas”.
No fim da infeliz performance, foi exibida em grande plano uma bandeira israelita e a mensagem de que, a partir desse evento, se estabeleceu uma trégua de guerra durante o período dos JO, algo que não corresponde à verdade, já que a Trégua Olímpica vem da Grécia Antiga e foi recuperada em 1993.
Naturalmente, isto gerou indignação do público, tendo-se ouvido gritar “assassinos” e assistido a alguns momentos de confusão entre quem assistia.
Repudiamos o uso de uma escola pública como palco de propaganda, ainda para mais quando se tentam moldar as percepções de crianças que, obviamente, não têm o conhecimento necessário sobre o contexto em causa e são, assim, instrumentalizadas.
Mais uma vez, a resistência palestiniana é absurdamente descontextualizada e alvo de representações racistas como “terroristas bárbaros e selvagens” que, sem qualquer objetivo político concreto, “massacram pessoas inocentes”.
O sucedido nos JO de Munique, em 1972, tem um contexto. O grupo pertencente à resistência armada palestiniana, “Setembro Negro” – nome adotado em memória ao massacre levado a cabo por tropas do governo colaboracionista da Jordânia em 1970 em campos de refugiados onde se encontravam militantes do movimento de libertação palestiniano, com o objetivo de os expulsar do país – procurava chamar a atenção para a situação de miséria nos campos refugiados onde estavam pessoas que haviam sido expulsas das suas casas pelo exército israelita desde 1948. Para além disso, o objetivo da ação em Munique era efetuar uma troca de reféns, entre os 11 atletas israelitas raptados e 234 presos políticos palestinianos mantidos ilegalmente em prisões israelitas.
Ao mesmo tempo que escolas públicas centram as suas narrativas num evento isolado ocorrido em 1972, apagam mais de 76 anos de colonização sionista-israelita e o genocídio em curso na Palestina, parte de uma estrutura feita de morte, tortura, despossessão, opressão e exploração da população indígena palestiniana.
Mais do que isso, neste contexto em particular, legitimam e normalizam a excepcionalização de Israel, como Estado que, apesar dos processos por crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio, em curso no Tribunal Internacional de Justiça e no Tribunal Penal Internacional, apesar das acusações de apartheid pela Organização das Nações Unidas, pela Amnistia Internacional, pela Human Rights Watch e pela B’Tselem, continua a ver a sua participação garantida nuns jogos que afirmam ser um símbolo da união pacífica entre os povos dos cinco continentes.
Os mesmos que se indignam com as ações da Rússia – com a colaboração da Bielorrúsia – na Ucrânia, os mesmos que se indignam ainda hoje com o regime de apartheid sul-africano – todos países imepedidos de participar nos JO em diferentes momentos – declamando essa indignação em expressões do tipo “como foi/é possível isto acontecer?!”, mais do que aceitarem, contribuem para que o genocídio em curso na Palestina seja visto como algo trivial.
A escolha deste episódio como marco da história dos JO no contexto atual não é inocente e serve como instrumento de banalização daqueles que são vistos como menos humanos do que nós. Para isso é necessário desumanizá-los como “terroristas selvagens”.
É particularmente grave que seja uma escola pública a propagar essa mensagem.